16 Setembro 2013
No protestantismo, onde a doutrina sobre Maria está contida nos limites indicados pelo Evangelho, o papel da mulher na Igreja é totalmente equivalente ao dos homens. Já o mundo católico, os mais devotos a Maria são também os mais contrários ao diaconato e ao sacerdócio feminino.
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 02-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Depois de Inchiesta su Gesù, com Mauro Pesce (2006), e Inchiesta sul Cristianesimo, com Remo Cacitti (2008), Corrado Augias chega ao delicadíssimo tema de Maria, a humilde mulher que com o tempo se tornou Madonna, isto é, Mea Domina, Minha Senhora, termo de origem áulica que, antes de entrar no léxico religioso, percorria a poesia cortesã da Escola siciliana e do Dolce Stil Novo.
O guia ao qual Augias se confia para desvendar o labirinto de textos sagrados, dogmas, aparições e devoções marianas é Marco Vannini, conhecido estudioso de mística e autor de inúmeros ensaios que desafiam a concepção tradicional da religião. Eu falei de labirinto porque, com efeito, essa é a condição da luxuriante construção teológica e devocional que cresceu ao longo dos séculos com base nas poucas passagens evangélicas concernentes à mãe de Jesus.
Em singular contraste com a sobriedade bíblica, a tradição católica, de fato, elaborou a máxima "de Maria numquam satis", "sobre Maria nunca se dirá o suficiente", gerando, assim, mais de 30 celebrações marianas por ano, quatro dogmas, 150 Ave Marias do Rosário (que recentemente se tornaram 200, com o acréscimo de novos "Mistérios"), as 50 Ladainhas lauretanas e uma série interminável de outras devoções, igrejas, ordens religiosas, antífonas, músicas, imagens, santuários.
Lendo o livro (que será publicado pouco antes da chegada em Roma, no dia 13 de outubro próximo, da estátua de Nossa Senhora de Fátima, uma das mais célebres Nossas Senhoras ao lado das de Loreto, Lourdes, Czestochowa, Guadalupe, Medjugorje), eu pensava muitas vezes no padre dominicano Yves Congar (1904-1995), embora ele não seja citado no livro. Teólogo muito estimado, criado cardeal por João Paulo II pela preciosidade do seu pensamento, Congar anotava no diário mantido durante o Vaticano II e publicado postumamente em 2002: "Dou-me conta do drama que acompanha toda a minha vida: a necessidade de lutar, em nome do Evangelho e da fé apostólica, contra o desenvolvimento, a proliferação mediterrânea e irlandesa, de uma mariologia que não procede da Revelação, mas tem o apoio dos textos pontifícios" (22 de setembro de 1961).
Eis-nos no ponto crítico: a verdadeira fonte da proliferação mariológica não é a Revelação, mas sim uma singular união entre poder pontifício e devoção popular. Maria é, sim, "uma mãe de amor desejada pelo povo", como escreve Augias, mas tal vontade popular foi sistematicamente utilizada pelo poder eclesiástico para reforçar a si mesmo: entre mariologia e eclesiologia, o vínculo é de aço.
Congar prosseguia: "Essa mariologia crescente é um câncer" (13 de março de 1964), "um verdadeiro câncer no tecido da Igreja" (21 de novembro de 1963). O protestante Karl Barth tinha definido a mariologia como "uma excrescência, uma formação doente do pensamento teológico", e o católico Congar endurece a imagem. Como explicar o paradoxo?
O fato é que, quanto mais crescem o desejo de honestidade intelectual, a fidelidade ao ditado evangélico, a vontade de promoção real da mulher dentro da Igreja, mais decresce a inspiração mariológica com a sua tendência barroquizante. E, obviamente, vice-versa.
A prova é que, no protestantismo, onde a doutrina sobre Maria está contida nos limites indicados pelo Evangelho, o papel da mulher na Igreja é totalmente equivalente ao dos homens (é dos últimos dias a notícia de que uma mulher chegou à presidência da Igreja Luterana dos Estados Unidos), e, vice-versa, no mundo católico, os mais devotos a Maria são também os mais contrários ao diaconato e ao sacerdócio feminino, basta pensar em João Paulo II.
Mas não era apenas Congar: o jovem Ratzinger, então teólogo da Universidade de Tübingen, também escrevia na Introdução ao Cristianismo, de 1967: "A doutrina que afirma a divindade de Jesus não seria minimamente afetada mesmo que Jesus tivesse nascido de um casamento humano normal", palavras que mostram que o dogma da Virgindade de Maria não é nada necessário para o núcleo da fé cristã, e, obviamente, menos ainda o são os dogmas recentes da Imaculada Conceição e da Assunção. É também a opinião de teólogos do nível de Rahner e de Küng.
Porém, parece que não há nada a se fazer: Ratzinger logo mudou de ideia, chegando a fazer da Virgindade de Maria "um elemento fundamental da nossa fé", e o Papa Francisco também fará chegar a Roma a estátua de Nossa Senhora de Fátima, consagrando o mundo ao Coração Imaculado de Maria, assim como já fizeram Pio XII, em 1942, Paulo VI, em 1964, João Paulo II, em 1984, com os resultados, no que diz respeito ao mundo, que cada um pode julgar por si mesmo.
Voltando ao livro em questão, a sua força consiste na riqueza da documentação e no prazer com que é oferecida: os textos bíblicos são sondados com competência filológica, analisa-se o desenvolvimento do culto mariano; os quatro dogmas; as orações tradicionais; os nexos com o culto mediterrâneo da Grande Mãe e com as outras religiões; a leitura feminista; as outras Marias dos Evangelhos e, em particular, Maria Madalena; as aparições e, em particular, a de Lourdes de 1858, com as curas milagrosas atestadas ainda hoje, e a de Fátima de 1917, com os famigerados três segredos. Há também dois doutos capítulos finais sobre Maria na arte, na poesia, na música, no cinema.
O livro é sólido do ponto de vista dos textos. São citados Santo Agostinho em latim, a exegese dos textos do Vaticano II, lembra-se até a seita de um certo Valesio desconhecido dos principais dicionários teológicos, mesmo que, depois, os autores escrevam que, nas Escrituras, "nunca se faz nenhuma referência à sua milagrosa maternidade virginal", esquecendo-se de Mateus 1, 18, segundo o qual Maria "ficou grávida pela ação do Espírito Santo", e Lucas 1, 35, que reafirma a mensagem.
Mas qual é o resultado da investigação, no fim? A demolição da doutrina tradicional. Contrariada por Augias desde o início, é defendida, sim, por Vannini ("a devoção a Maria é sinal de maturidade espiritual"), mas de modo inaceitável para o catolicismo. Por isso, de fato, há uma conexão indissolúvel entre fato histórico-biológico e significado espiritual, enquanto para Vannini interessa unicamente o segundo; para ele, a virgindade e maternidade de Maria são "não uma história exterior, mas sim uma realidade interior", e Maria é "a alma que renunciou ao amor a si mesma".
Com isso, ele se coloca deliberadamente, como diz o título do seu último livro, além do cristianismo. Vem daí o paradoxo de um livro sobre a mais católica das doutrinas escrito por um não crente e por um "além-cristão"! Mas isso, longe de ser um defeito, foi a condição que lhes concedeu objetividade ao apresentar lucidamente o interminável material sobre a "moça que se tornou mito" e ofereceu um instrumento útil e, acima de tudo, honesto para voltar à verdade evangélica sobre Maria.
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Ave Maria laica. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU